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Punhos de aço: reflexões a cerca do filme Gigantes de aço

Puños de acero: reflexiones sobre la película Gigantes de acero

Fists of steel: reflections about the movie Real steel

 

Acadêmica da Faculdade de Educação Física pela

Universidade Federal de Goiás (FEF/ UFG)

(Brasil)

Thamara Cardoso Jacob

jacob.thamara@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O cinema é um instrumento capaz de produzir verdades e criar representações hegemônicas, neste caso, sobre o fenômeno esportivo boxe. A partir disso, esse estudo propõe descrever a análise do conteúdo do filme “Gigantes de Aço” (título original: Real Steel), a fim de identificar suas representações, estereótipos, o papel do protagonista na conquista de seus objetivos e/ou ideais.

          Unitermos: Esporte. Cinema. Análise de conteúdo. Representação

 

Abstract

          The film is an instrument capable of producing truths and create hegemonic representations in this case on the sport phenomenon. Through this study that purports to describe the analysis of the content of the movie Real Steel in order to identify their representations, stereotypes, the role of protagonist in achieving their goals and / or ideals.

          Keywords: Sport. Cinema. Content analysis. Representation.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Tanto o cinema quanto o esporte se relacionam por serem fenômenos que ocupam espaço e importância cada vez maior na sociedade moderna (MELO, 2009c, p.18). Por meio de imagens, enredo que pode ou não evidenciar aspectos da vida cotidiana, efeitos e cores, o filme é um meio de levar conhecimento e interpretações complexas sobre as sociedades e as culturas para a população.

    O cinema como um dos veículos de entretenimento para a população vem trazendo o fenômeno esporte como uma válvula de escape para a superação de problemas em todos os aspectos (históricos, políticos, socioeconômicos, deficiência física e etc.) mudanças na sociedade e no comportamento do individuo que o pratica.

    É fato que o cinema, cada vez mais, “recheia” os seus filmes com movimentos de luta (LANÇANOVA, 2007, p.6). Assim, compreendendo o esporte e o cinema como manifestações culturais da sociedade moderna, capaz de (des) construir alguns significados, o presente estudo teve por objetivo descrever a análise do conteúdo do filme “Gigantes de Aço” (título original: Real Steel).

    Caracterizada como um estudo de natureza qualitativa, que para Minayo (1994), é capaz de responder às questões muito particulares, trabalhando com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, e isso se refere a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, os quais não podem ser quantificados.

    Caracteriza-se também como descritivo e interpretativo, utilizará como método para coleta de dados, a pesquisa bibliográfica e analise do filme para que possa dialogar e evidenciar essa articulação nas questões propostas como objetivos do mesmo.

    Deste modo a analise foi feita através de sua informação técnica e da construção de resenha que foi contextualizada de acordo com seu contexto histórico e amparada sob literatura que ressalta a importância dessas produções como campo de observação sistemática (SANTOS; MEDEIROS, 2010), abordando as representações, estereótipos e também a presença do protagonista para conseguir alcançar seus objetivos.

Os fenômenos da Modernidade: Esporte e Cinema

    O esporte explicita a força de um fenômeno que movimenta a massa (MELO, 2009c, p.182). Entendo aqui, o esporte a partir do conceito de campo de Bourdieu (1983 apud MELO, 2004, p. 16), como fenômeno da modernidade que apresenta características como: organização em clubes, federações e etc.; gera mercado; possui um quadro amplo de participantes e possui calendário próprio para sua prática.

    Ele pode estar vinculado em relação à estratégia de formação corporal, preparação de corpos, estratégia de negócios e à saúde, assim, o esporte é cada vez mais considerado como “forma de viver” e através de imagens, como na televisão e no cinema, que o esporte aparece como exemplo de superação de problemas e limites, produto de e para negócios e produto do lazer.

    Do outro lado, ainda no mesmo discurso, de acordo com Neves (2006), o cinema está inserido numa lógica que envolve uma grande variedade de experiências, comportamentos, manifestações culturais, valores e costumes que mudam de acordo com os referenciais da modernidade. Neves (2006) ainda complementa dizendo que “as estruturas e simbologias criadas em torno do cinema sofrem interferências direta desses referenciais e se transformam a partir do processo de construção de novos significados deste espaço”.

    A modernidade, entendida no contexto das cidades, é uma fórmula abreviada para amplas transformações socioeconômicas e culturais demarcada pela Revolução Industrial, assim o cinema é o que mais transcendeu e se personificou. No século XIX, o cinema tornou-se a expressão e a combinação mais completa dos atributos da modernidade.

    As transformações nas cidades são marcadas por novas formas de transportes rápidos, velocidade na linha de montagem, barulho, painéis, sinais de transito, multidões e anúncios deixando os indivíduos bombardeados com impressões e choques áudios-visuais que estimulavam novas sensações (SINGER, 2011, p.116 apud NEVES, 2006).

    O surgimento de uma cultura metropolitana que levou a novas formas de entretenimento e a atividade do lazer; a centralidade correspondente do corpo com o local de visão, atenção e estimulação; o reconhecimento de um público, multidão ou audiência de massa que subordinou a resposta individual à coletividade, o impulso para definir, fixar e representar instantes isolados em face das distrações e sensações da modernidade (...) a realidade e suas representações. (CHARNEY; SCHWARTZ, 2004, p. 19)

    De acordo com Neves (2006) as mudanças nas cidades não se restringem somente a elas, assim as transformações “assumem outras proporções no cenário social, uma vez que os novos espaços criados impulsionam o surgimento de novas necessidades, que são criadas e recriadas constantemente”. Sendo assim, tem-se uma explosão de atividades de lazer e diversão, como passeios às praças, clubes, igrejas e ato de ir ao cinema. O cinema se configurava então, segundo Neves (2006) como acontecimento social.

    O cinema é um verdadeiro emblema da modernidade não simplesmente por atrair e representar as massas, mas por constituir a mais avançada instituição cultural em que as massas, como forma de coletividade relativamente heterogênea, indefinida e desconhecida, podem-se fazer representar como público. (HANSEN, 2004, p. 420)

    Pode-se dizer que no final do século XIX e inicio do século XX é o momento da industrialização do cinema e o surgimento da sociedade de massa. Essa sociedade de massa abriu portas para a cultura de sensações bem como atenuar essa cultura.

    Sabe-se que nos filmes que abordam o esporte como tema, seja pelo ideal patriota, seja pela superação de uma condição social adversa, existe sempre a presença do herói se sobressaindo dentro de contextualizações políticas, sociais e históricas ora exploradas com afinco, ora implícitas nas verdades históricas ou realidades produzidas dos filmes (GOELNER, 2005 apud SANTOS; MEDEIROS, 2010).

    Observa-se então que o esporte e o cinema fazem parte de uma manifestação cultural poderosa e bastante influente, que envolve um grande número de pessoas, e que hoje se apresenta como uma eficaz forma de negócios, capaz de mexer com sonhos e difundir idéias, comportamentos, atitudes (MELO, 2004, p.23).

    Ainda segundo MELO (2009a, p. 120), o cinema e esporte juntos celebram a modernidade e consolidam suas idéias de velocidade, eficiência, produtividade, heroísmo, superação, coragem e grandiosidade.

Das lutas: o boxe

    As lutas fazem parte da cultura corporal do movimento humano. Sempre fizeram parte do homem. Dentro de toda ação de defesa, contra uma fera ou um inimigo, ou de ataque, como a caça ou o combate na guerra, usando o corpo ou armas, está presente a luta, de forma organizada como as modalidades conhecidas, ou instintiva, emanada da necessidade do ser humano em proteger o seu próprio corpo (LANÇANOVA, 2007, p. 11)

    O boxe personagem principal desse estudo, está nos grupos dos esportes mais antigos da história. Ele tem a origem da palavra inglesa “to Box” que significava “bater”, porém, por volta de 1 500 dC, essa palavra passou a ter o significado de “bater com os punhos” sendo que nos países de língua inglesa, o boxe é chamado de boxing.

    Tem-se duas visões do boxe, a primeira é de que quem o praticava era beneficiado pelo status olímpico, um esporte de nobres. A segunda é que na mesma proporção crescia os combates entre os pertencentes da população menos favorecida, então passou a ter a imagem de marginalizada, atividade conhecida como boxe underground, que era caracterizada pelo excesso de violência nos combates (VIEIRA; FREITAS, 2007, p. 11).

    Deste modo, Melo e Vaz (2006, p. 153) afiram que as lutas de boxe foram uma forma de violência permitida e regulada, de acordo com os níveis de sensibilidade de cada momento histórico.

    O esporte, as lutas, o boxe constituem-se em experiências nas quais socialmente se aceita um determinado grau de violência, de acordo com uma organização e regulamentação similar a da própria sociedade moderna (árbitros, federações, tempo controlado, convenções a serem seguidas). (MELO; VAZ, 2006, p.153)

    Sua relação com as produções cinematográficas é de grande relevância principalmente no contexto da filmografia norte-americana, segundo Melo e Vaz (2006, p.152) estimam-se que mais de 250 películas já tenham de alguma forma o tematizado.

Resultados e discussões

    O filme “Gigantes de Aço” (título original: Real Steel dirigido por Shawn Levy) é um filme norte-americano de 2011. Ele se passa no ano de 2020, onde a luta por homens (humanos) pararam de ser praticada e é substituída por robôs que são comandados por voz ou sensores de alta tecnologia. O seu protagonista é Charlie Kenton (Hugh Jackman), um ex-pugilista, ganancioso, que ganha sua vida promovendo lutas com robôs sucateados e também deve dinheiro para alguns agenciadores dessas lutas ilegais. Sua companheira, Bailey Tallet (Evangeline Lilly) é a filha do seu ex-treinador, é especialista em concerto e reparação dos robôs.

    Ao perder uma de suas lutas por um touro, em uma cidade do interior, Charlie é convidado a comparecer no tribunal, o motivo é seu filho, chamado Max (Dakota Goyo). Max é um garoto de 11 anos, que ao perder a mãe fica sob a guarda do pai. Um garoto inteligente e entende sobre eletrônica e é fã de lutas de robôs. Eis a razão pelo qual o garoto entra na vida de Charlie tão rapidamente após os 11 anos de ausência.

    Em uma de suas compras de robôs, ele adquire o “Noisy Boy”, que lutou na disputa do cinturão em 2016, que de acordo com o filme esse robô já esteve de passagem pelo Brasil, assim esse tipo de luta regada a robôs boxeadores e super máquinas comandada por humanos é prestigiada por todo o mundo. Sabe-se que na história do boxe, é importante apontar que o boxe sempre fascinou a todas as classes sociais, embora a classe média tendesse a abominar o boxe, a elite e a classe pobre sempre o apoiaram e o sustentavam (Federação Rio-Grandense de Pugilismo, 2001, p.1)

    Após a derrota do “Noisy Boy”, Charlie acusa que a perda da luta foi porque este já era um bom lutador, que foi destaque enquanto estava na liga, e que há quatro anos depois, este já estaria velho e fora de “forma”, porém, o robô perdeu porque Charlie não o tinha treinado.1 Um sinal de que os lutadores têm que sempre mostrar rendimento, e quando atinge certa idade, constantes derrotas, por estar acima do peso, fora dos padrões requisitados do torneio e etc., precisa encerrar a carreira por não mostrar eficiência nos combates. Assim ficam afastados da mídia, perdem o glamour. É nesses casos que muitos entram no mundo das drogas ou ficam depressivos por não saberem como encarar essa aposentadoria precoce.

    As lutas de robôs são rodeadas de apostas dentro e fora dos ringues e regado um numero grande de espectadores, tal como nas diversas lutas e especificadamente nas lutas espetáculos que são protagonizados por humanos, como é o caso das Artes Marciais Mistas (MMA), que atualmente movimenta milhões de espectadores bem como investimentos. Desse modo o boxe representa uma sociedade de falcatruas, com conflitos desencadeados pela ambição, como visto pela ganância do nosso protagonista, e as lutas, tanto por lutadores humanos como a dos robôs, normalmente açodados pelos empresários.

    Em uma de suas lutas, durante a negociação das apostas, o lema é “lutar até morrer” (fight ‘till the death). Como a luta é com robôs, não importa o grau de violência e sim o ganhar, consequentemente, o dinheiro para o agente do robô-boxeador vencedor. O que não foge muito da lógica dos torneios de qualquer esporte, não só em relação às lutas, o treinador incentiva, de maneira que mais parece uma imposição, para que o seu atleta lute até o fim, a ter garra e não desistir de ganhar.

    No filme apresenta que os primeiros robôs criados foram os de Geração-I, com o intuito de mais se aproximar com os humanos, em relação com a fisionomia, para não perder as características do esporte que era praticado por humanos. Aparência física que expresse as características de homem forte, másculo, valente, corajoso, durão.

    Em um dos momentos do filme, Charlie ao ser questionado sobre o a mudança e o desaparecimento boxe por Max, ele responde que a razão é o dinheiro tudo movido pelo dinheiro e complementa:

    As pessoas queriam mais carnificina, mais espetáculo. Tinha as lutas brasileiras: os Gracie, Machados, jiu-jitsu, Muay Thai, e outros milhares, entre esses era muita porrada (...) mas eram lutadores humanos de carne e osso. Então, não podiam dar às pessoas o que realmente queriam, verdadeira violência, sem controle. Então, o próximo passo lógico era tirar os humanos e deixar as maquinas se matarem.

    Pode-se perceber no trecho acima que a agressividade é uma das características da natureza humana. Não satisfeito com a agressividade dos humanos, partiram para a criação de robôs, porque assim teria maior dinamização, lutas sem pudor e consequentemente a violência dos lutadores seriam maior, sem deixar prejuízos físicos aos lutadores, caso fossem humanos, sem dar importância ao fair play.

    Numa as cenas, aparece a figura de um novo robô, o vilão da história, chamado Zeus, que é representado como um herói dos combates, o melhor lutador de todos os tempo que destruía o oponente em poucos minutos de luta. Ele não perdia uma só luta, e sua fama movimentava muito dinheiro e a atenção da mídia por ser o maior projeto de robôs do esporte que ia evoluindo a cada luta.

    Ao encontrar Atom numa espécie de ferro velho, após perder a luta com o Noisy Boy, Charlie não acredita que o Atom possa ser um robô lutador, então, Max o desafia para arrumar uma luta e para treiná-lo. Pode-se fazer uma analogia com a seleção e caça de novos talentos para o esporte. Atom não é um robô comum, ele tem sentimentos e consegue se comunicar com Max.

    Max quem configura o robô, mas pede auxilio para que Charlie o treine, já que esse é um ex-boxeador. Durante a configuração do robô, Max percebe que o mesmo pode dançar, visto isso, uma das atrações das lutas é o garoto e o robô dançando antes de um combate, um diferencial que fez com que o trio ganhasse reconhecimento. Nota-se que para ser reconhecido pela mídia e ganhar prestígio deve-se inovar, criar uma marca, nesse caso foi de criar uma luta-espetáculo.

Considerações finais

    Gigantes de aço é regado de exagerados efeitos especiais e imagens computadorizadas, mostrando uma versão super poderosa dos personagens lutadores (os robôs), apresentado uma visão que resume praticamente ao domínio dos movimentos físicos, ignorando os aspectos filosóficos e ensinamentos que as lutas em geral podem ensinar, como por exemplo, em relação à disciplina.

    O filme expressa um possível retrato de um futuro próximo do fenômeno esportivo, nesse caso das lutas, em que as pessoas vão às lutas querendo assistir ao espetáculo regado a sangue no ringue, com lutadores lutando cada vez mais agressivamente. Esquecendo um pouco da visão de lutadores seres humanos constituído de carne e osso, e sim de lutadores máquinas. Esses espetáculos geram uma grande movimentação de dinheiro, seja nos investimentos, patrocínios ou em apostas.

    E ainda pode-se dizer que esse fenômeno das lutas tomou maior destaque na mídia quando foi lançado o primeiro filme “Rocky Balboa”, estrelado por Sylvester Stallone, em 1976; e os demais filmes da serie “Karatê Kid”, entre outros do mesmo gênero.

    Em Gigantes de Aço pode vir a ser discutido em relação ao fenômeno esportivo da atualidade, os torneios e ligas das famosas Artes Marciais Mistas (MMA), que em cada luta que ocorre no octógono é mais violenta que a anterior, por mais que seja um esporte regido por regras.

    As lutas em geral, é uma dos principais esportes capaz influenciar o seu público. Muitos começam a praticar as lutas a partir do que é exposto pelas mídias. Como o cinema é uma das portas mais acessíveis, por mais que o filme seja uma ficção, cabe a nós, refletir até que ponto devemos deixar que essa agressividade e o desejo de querer sempre ter um vencedor e um perdedor nos domine, a chegar a um ponto que humanos dentro de um ringue, não nos satisfará; que interpretação devemos ter perante a esse discurso; nossos lutadores de hoje, não seriam de certo modo máquinas também; qual a tendência e qual é a identidade desse esporte que estamos construindo.

Nota

1.     Refiro-me aos códigos específicos (golpes) do robô que Charlie não tinha aprendido, porque queria apenas ‘fazer dinheiro’ com a luta.

Referências

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